Apesar de não encontrarmos nenhum documento específico sobre a “Irmandade do Rosário da Freguesia do Carmo”, é possível historiar alguma coisa sobre a construção da igreja, porque foi achada, no arquivo do 1° Ofício Civil de Franca, uma tomada de contas prestadas pelo Procurador da Irmandade, Antônio Ribeiro dos Santos, ao corregedor da Comarca, o Juiz de Direito, Augusto Ferreira Alves, a 26 de fevereiro de 1879.
Pelo que se deduz da leitura da documentação, que nos foi oferecida pelo saudoso amigo Wanderley dos Santos – diretor do Arquivo Municipal de Franca – o procurador Antônio Ribeiro dos Santos já prestara contas num processo anterior, da receita e da despesa da irmandade, mas os recibos das despesas que exibira eram inferiores, no total, à receita obtida, sendo assim responsabilizado pela diferença. Juntados novos recibos, o procurador aprovara os desembolsos que fizera. Tais recibos tinham as firmas reconhecidas por Lúcio Rodrigues Dias, escrivão de paz da Freguesia do Carmo.
A probidade do procurador fez com que se juntasse nova relação de receita, quase sempre de esmolas e pagamento de promessas a Nossa Senhora do Rosário. Há contribuições insignificantes, de até $ 500 (quinhentos réis) e uma que ultrapassava 100$000, provavelmente resultante de festa anual, tudo somando menos de 500$000.
O difícil para o procurador foi conseguir os recibos de material ou de serviços realizados, pois se a prestação de contas foi em 1879, alguns recibos citam os anos de 1871 e 1872, ou foram assinados por viúvas, cujos maridos trabalharam ou venderam material para as obras e já tinham falecido. Outros são datados de lugares diferentes, indicando que o procurador foi atrás deles, porque os que tinham recebido já não moravam no Carmo. No total, os recibos somavam 1200$000.
Com eles ficamos com uma ideia clara, embora imperfeita, da construção da Capela, parecendo não haver dúvidas de que foi iniciada em 1871, prosseguiu em 1872, ficou parada seis anos e completou-se em 1878 e 1879.
Um dos recibos mais interessantes é o assinado pelo Pe. Cármine Torraca, datado de Espírito Santo de Batatais (Atual Nuporanga), a 12 de março de 1879. Recebeu “em o ano de 1971” 29$200, provavelmente ‘de ferragem e tinta”, que me comprou (o procurador) e o mais “por serviço que meu escravo Romualdo trabalhou”.
Na época, em 1871, o Pe. Cármine exercia pela primeira vez o cargo de Vigário, o mesmo tendo feito outros senhores, como D. Joaquina Ferreira da Rocha, viúva de Francisco Rodrigues da Rocha, pelo de seu escravo Joaquim, carpinteiro ou Joaquim Ribeiro dos Santos, que não citou o nome do escravo.
Mesmo quando liberado pelos senhores, parece que cabia à Irmandade a alimentação dos escravos.
É o que se conclui a respeito dos 25$00 que recebeu Gabriel Alvez de Figueiredo pelo “sustento aos trabalhadores na ocasião de barrear as paredes”.
Se Antônio Ribeiro dos Santos fez uma primeira prestação de contas, é evidente que os serviços e materiais constantes dessa segunda prestação não dirão do que foi empregado. Entretanto, seria muito difícil que as telhas utilizadas ultrapassassem as 25.000 vendidas por Joaquim Ananias Borges, D. Joaquina da Rocha e D. Francelina Garcia Barbosa (com o recibo assinado pelo filho, Evangelista Barbosa Lima). As 10 tábuas vendidas por Luis Borges da Silva, de outro lado, seriam muito poucas, da mesma forma que os quilos de pregos, vendidos por José Joaquim Alves Branquinho. Os 4 alqueires de cal, vendidos por Francisco Dias de Vieira, seriam suficientes? A “serragem de madeiras”, fornecida por Francisco José da Silva Leão, para acabamento da Igreja.
Em 1879, provavelmente foram todas usadas, o serviço ficou muito caro, em mais de cem mil. Todos os recibos de grande valor foram assinados por José Luís Antônio e Luiz Borges da Silva.
Se parece ter ficado patente que a Capela teve suas primeiras obras entre 1871 e 1872, é curioso que o próprio fiscal Borges da Silva, o mesmo mestre de obras citado em recibo datado de 20 de setembro de 1872, não faça nenhuma referência a elas, talvez porque estivesse preocupado com a “limpa” e “asseio” do rego de água, com os “porcos que andavam vagando nesta Freguesia” e com cobrança dos “direitos municipais”, ou porque as citações existam em relatório anterior, hoje desaparecido.
De qualquer forma, a graciosa Igreja do Rosário perdeu as brumas que envolviam suas origens, e se com estas linhas não ganhou sua certidão de nascimento, pelo menos já se tem noção da época em que surgiu. E do muito suor que exigiu dos ituveravenses do passado, especialmente Antônio Ribeiro dos Santos, seu procurador.
