Raízes Religiosas
Quem estuda os fatos ocorridos na época do Império não pode esquecer que o Catolicismo era a religião oficial. Porque disso decorrem numerosas consequências: a freguesia era a primeira divisão territorial reconhecida, os vigários eram funcionários do governo e, como tal, recebiam vencimentos (côngrua) e tinham obrigações civis; a vida dos cidadãos passava por eles (batismo, casamento, sepultamento); os dias santificados eram feriados civis, assim por diante.
Um povoado que não fosse logo elevado à freguesia, não passaria de um simples arraial e seus moradores eram verdadeiros cidadãos de segunda classe. Daí, a Igreja, que pudesse ser a matriz da freguesia e o desejo universal de ter um vigário encomendado.
É por esta razão que, em 1840, os moradores do Arraial do Carmo fizeram um primeiro pedido para a criação da freguesia, que não teve resultados. Em 1845, a Câmara Municipal da Franca recebeu um requerimento dos habitantes da Capela do Carmo, “pedindo à Câmara que representasse à Assembleia Provincial a necessidade da criação de uma Freguesia na sobredita Capela” (Ata de 08.09.1845).
Deste pedido é que resultou a freguesia, pois a informação do Vigário da Franca foi favorável e a Câmara nomeou os vereadores Pe. Zeferino Baptista Carmo, que era o seu próprio presidente, e o Prof. Manuel Teodoro de Souza, para redigirem a apresentação.
Preocupado, porque talvez fosse do Carmo, e antes da existência legal da freguesia, o vereador, Francisco Rodrigues da Rocha, também apresentou a Câmara uma indicação, que não foi aprovada, de nomear “um procurador hábil para procurar por negócios na Capela de Nossa Senhora do Carmo, deste município, por isso havendo diferentes arrecadações de dinheiro, e mais objetos pertencentes à dita Senhora, não há quem os arrecada e estão em circunstâncias de se perderem, além do que se acha em desleixo a mesma Capela; a vista do referido, espera, pois, que seja criado o dito procurador, a fim de que este, religiosamente, promova com legalidade toda a arrecadação pertencente, ainda mais que tendo esta Câmara promovido meios lícitos para que a dita Capela seja ereta em Freguesia, bom é que já o Procurador cuide em adiantar as obras da mencionada Capela” (Ata de 07.10.1845).
A proposta foi rejeitada por ser a Câmara incompetente, pois “a lei só permite a nomeação de Fabriqueiro das igrejas matrizes e não de outras quaisquer igrejas” (Ata de 10.10.1845).
Na Assembleia Provincial, o deputado Dr. João Viegas Jort Muniz, que fora Juiz Municipal da Franca, redigiu e apresentou o Projeto de Lei n° 24, de 3 de fevereiro de 1846, que foi promulgado como Lei n° 9, de 18 de fevereiro de 1847, criando a freguesia.
Todavia, como Matriz sem Vigário não tinha sentido, de novo os moradores se dirigem ao Presidente da Província, pedindo a nomeação de seu pastor.
Em pesquisas feitas há algum tempo, nos livros da Cúria Arquiodiocesana de São Paulo, não encontramos a nomeação de nenhum, então pensávamos que o primeiro fosse Pe. Felipe Ribeiro da Fonseca Rangel, que tem oficiado arquivado no Arquivo do Estado, de julho de 1856.
Agora, porém, encontramos nas atas da Franca numerosas referências ao Pe. Manuel Antônio de Souza, como vigário encomendado da Freguesia do Carmo, desde seu ofício comunicando que tomara posse a 19 de julho de 1848 (ata de 28.09.1848), até os pedidos de atestado que “tem feito a Freguesia, residência formal e material, desde que tomou posse de Vigário e tem cumprido com seus deveres”, necessários para receber na Coletoria a sua côngrua. Seu último pedido, neste período que estamos examinando, foi feito a 9 de fevereiro de 1853, o que indica sua longa permanência na Freguesia.
E parece que trabalhando muito, pois até obteve uma verba de 300$000 para as obras da Matriz, consignada no Orçamento da Província e, como a freguesia não tinha fabriqueiro, a Câmara da Franca pediu ao governo que a importância lhe fosse entregue, para não cair em exercício findo (Ata de 18.01.1851).
É uma pena que nada saibamos de nosso primeiro vigário. Se era da região, sua idade, onde se ordenou, para onde foi quando deixou a Paróquia; mas, pelo menos, já temos o seu nome e o dia em que tomou posse. Façamos preces pelo descanso de sua alma, depois de um esquecimento de quase 140 anos, pelo seu desprendimento e zelo pastoral, aceitando um cargo num arraial do fundo do sertão, que a sua simples presença elevava.
Se o Pe. Manuel Antônio de Souza foi o primeiro vigário da Matriz do Carmo, não deve ter sido o primeiro sacerdote que residiu no povoado, pois em muitos documentos da década de 1830 o arraial era chamado de Curato do Carmo. Ora, Curato pressupõe a existência de um Cura, que hoje chamaríamos Capelão. Como não era nomeado, documento algum diz quem foi o Cura da Capela do Carmo.
Quem sabe, um sacerdote filho de um fazendeiro, que veio assistir o pai já idoso e depois tomou seu destino…
Como toda a freguesia devia ter uma base territorial, por onde se estendesse a ação do vigário, o governo provincial fixou as divisas da nova freguesia, que “principia da barra do Ribeirão do Carmo no Rio Grande e por aquele acima até o ribeirão denominado do Hipólito, seguindo por este a Forquilha, compreendendo a fazenda do finado José Machado Diniz e desta pelo Córrego do Indaiá à estrada ou espigão mestre e por esta abaixo até entrar no Rio Grande” (Ata de 07.05.1849).
É evidente que seria muito difícil indicar, hoje, os limites da Freguesia, pela linguagem confusa da portaria provincial. Onde ficaria a fazenda do finado José Machado Diniz? E como descer do espigão mestre, que seria preciso identificar, até o Rio Grande?
Naturalmente, as deficiências da época explicam a nebulosidade do texto oficial, que talvez fosse entendido na ocasião, tanto que ao ser criada a Freguesia de São Sebastião da Ponte Nova, a atual Jeriquara, foram mantidas as do Carmo.
As numerosas dúvidas que surgiram foram entre a Ponte Nova e de Santa Rita do Paraíso, interferindo os moradores da Capela de Nossa Senhora do Patrocínio. Repare-se, porém, que o limite para o sul não seria o Rio Sapucaí, um acidente geográfico importante, que seria citado, certamente. Entretanto, a imprecisão era compreensível, pois tudo era o sertão, mais ou menos despovoado, em terras da atual São Joaquim da Barra e Ipuã.
De qualquer maneira, o povoado era, agora, a Freguesia do Carmo, havia uma base territorial que era só dela, seus moradores recebiam o “pasto espiritual” e, o mais importante, não eram mais cidadãos de segunda classe, ainda que dependentes da cidade-mãe.
Viajando no Tempo 4.